quarta-feira, 13 de julho de 2011

Espelho embaçado

A menina da faxina veio dias depois de tua saída. Mandei que limpasse o espelho, tirasse com multiuso aquelas palavras escritas em batom vermelho, que teimavam em me encarar.

Do que escreveste, lembro, o que doía não era o querer estar sempre perto, o te amo demais ou o infelizmente não deu.

A dor era pelo apelido meigo, que deixaste lá em cima, no canto esquerdo, seguido de uma vírgula desenhadinha.

A dor era por conceber que as frases rabiscadas podem muito bem reaparecer em um batom lilás ou noutro espelho doutro banheiro doutra cidade. Mas a forma como tu me chamava era só tua.

Sem o vocativo carinhoso, o texto seria só repetição de palavras que algum desafortunado certamente já usou. Com ele, o texto era você.

Mandei que limpasse, pois; tirasse dali o que restava de tua presença, tomando o mesmo destino do porta-retratos e do ursinho de pelúcia encardido. Lembra-se da poesia, que fiz sobre o choro ao engavetar fotos?

É o que tenho por saudade.

Mas o adeus que tentei te dar, ao expungir com esfregão as palavras do banheiro, foi em vão. Talvez o multiuso fosse pouco, talvez a altura fosse muita, mas a menina deve ter falhado no seu ofício.

Porque quando embaça o espelho, após um banho quente, o maldito do apelido torna a aparecer – só ele, lá em cima, impassível, me fitando com teus olhos apertados.

Delineada no vapor do banheiro, ressurgindo de quando em quando só para aturdir minhas lembranças, você se alojou para a eternidade no meu próprio reflexo.