terça-feira, 22 de março de 2011

Até que o ônibus parta, amanhã

Deita. Deixa o caso para mais tarde. É tarde. Dorme que logo mais é dia, e você sabe que amanheceres me deixam melancólico. Assume teu lado da cama. Calma, não, já disse, não falarei mais; eu precisava ir, sim; ela é minha mãe, ora; ai, não tem essa de ser mais importante; para, para, não, PARA. Para quê choro? Eu estou aqui. Tá, desculpa, fui grosso, mas é que já surgem os primeiros raios, olha lá. Amanhã já vem. Nem lembrará mais por que me veio gritar. Eu sei, eu sei, você sabe que, se eu pudesse, seriam suas todas as horas. Não senhora, volto rapidinho, conta tuas duas luas, que apareço. Não esqueço seu recado, fica tranquila. Dorme. A vida não dorme. Combinamos de nos encontrar nos sonhos, depois que o ônibus partir.

domingo, 13 de março de 2011

Abstinência

- Nem um textinho sequer? Nem aqueles mini-contos, que tão na moda?

- Nada, amor. Nem frase de efeito pra Twitter alheio sai. Travou tudo.

- Mas você ia tão bem. Quase um texto por semana, comentários elogiosos...

- Que nada. Era tudo uma grande bosta. Se você soubesse a vergonha que me dá olhar pr'aquelas velharias. Pior, acabo de escrever algo, releio, já me parece um rabisco feito por recém-nascido.

- Mas vai me dizer que não gerava boa repercussão?

- Balela. Quando descobrem que você deu pra escrever, até dão pitaco, como que acalentando: "pobre coitado, endoidou de vez... até que é gente boa, vou aqui dizer que tá bom".

- Rá.

- Mas não? Quem em sã consciência vai sujar seu nome, comentando mais de uma vez o site dos outros?

- No blog da Betty, elas comentam.

- ...

- Eu vi um monte de gente te elogiando, nos comentários.

- Um monte de anônimos?

- Ai, você tá chato.

- A propósito, tou começando a achar que você escreve os comentários anônimos. Metade você, metade mainha.

- Meu Deus, o pobre coitado endoidou de vez...

- Tá feito, parei. Vou deletar esta porcaria!

- Não seja tão cruel consigo mesmo. Você manda bem, só deve estar passando por uma fase sem inspiração.

- Você não entende. Nunca fui de acreditar naqueles profissionais da pena, que ganham baseados em produção. "Tem que ser uma crônica por semana, um conto por dia". Tem cabimento?

- Só que aí vem a onda da disciplina. Senta a bunda na cadeira e só sai quando tiver pronto.

- Minha linda, o texto precisa dormir. Ele desperta como pedra bruta, cheio de arestas, tomado por imperfeições. Pense no vinho, todo aquele processo da uva, fermentando, ou seja lá o que for. O texto precisa fermentar.

- Sei. Por que não tenta lá tuas poesias, por enquanto?

- Respeita, mulher. Tá insinuando o quê?

- An?

- Deixa pra lá.