terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O cochicho das coisas


Às vezes, geralmente tarde da noite, naquele milésimo de segundo que antecede o sono, ouve-se um murmuriozinho suave, talvez mesmo inaudível, talvez mesmo inexistente. É som que só ouvido com dom especial, como o dos lelés ou variantes, é capaz de pegar, pois que exige muito mais que audição. É o cochicho das coisas.

As coisas, via de regra, coisas que são, gostam de zuar durante o dia. Fingem que só podem emitir som quando algum outro objeto, movido por uma força estranha, as compele a ruir. Apoiando-se nas lições de ciências das crianças, que insistem com a baboseira de "inanimadas", aproveitam para barulhar quando dá na telha. Preferem, no entanto, esperar a passagem do gato perto de si, ou do soprinho de vento, para poder extravasar. Melhor assim, senão haveria de ter muita gente desconfiada por aí.

À noite, elas geralmente calam. Imagino que é por medo do silêncio - ficaria muito na cara uma bocejada do livro, entediado com o olhar blasé do leitor; ou a discussão do fogão com o micro-ondas, bem na hora que o pai fosse pegar água de madrugada na cozinha. O bebedor, que já gosta de umas golfadas potáveis, e as cadeiras, que não suportam ficar paradas, correriam sério risco. Isso para não falar nos matraquentos cd players (in memorian), que fingem se desintegrar na última gaveta do armário da sala.

O problema é que todo mundo sabe que quando se tem algo importante para falar fica difícil guardar. As coisas, então, são boas em ficar se fingindo de mortas até que as pessoas caiam no sono. É aí que embalam seus interessantíssimos cochichos.

Um cronópio, cara que parece que vi perambulando por aí, certa vez me contou a epopeia de seu ventilador de teto. Já não se podiam chamar de lamentos os choros que fazia o coitado na sua eterna sina de rodar. Era tanta amargura junta, contou-me, ou parece, o cronópio, que a tal coisa já soltava uns "féladaputa", talvez inaudível, talvez inexistente, entre seu vrumvrumvrum já tradicional e por nós aceitável.

Outro figura que conheço, sempre com seu cigarrinho de palha na mão, confessou para os mais próximos que sua máquina de lavar emite umas cantorias aterrorizadoras quando ligada à noite no módulo turbo. Jurou ele, de pé junto, que o canto, ainda que baixinho, é o mesmíssimo que fazia a preta velha de sua casa, há tantos anos falecida, quando era hora de trabalhar no tanque.

Há relatos de outros casos, uns clássicos, como o das espalhafatosas televisões que estão sempre querendo aparecer; outros mais contemporâneos, como o do Iphone de um hipster abaitolado, cujo Song Pop tocava músicas mesmo quando desligado... Acho que as coisas podem sentir.