terça-feira, 23 de novembro de 2010

Escadinha do preconceito

Sinto muito, mas naquele planeta eu não piso meus jupiterianos pezinhos azuis. Por mim, tanto faz se seus habitantes esquentam a temperatura de seu chiqueiro e elevam seus ridículos mares. Para uma raça tão inferior, tão ignóbil, nada mais de se esperar além do seu auto-aniquilamento. Pois que se afoguem todos de mãos dadas, criaturas desprezíveis e que enojam nossa galáxia. Daqui do alto de um verdadeiro astro vialacteano – grande, pomposo e sublime –, verei com prazer a derrocada, mais do que na hora, desse ninho de urubus fétidos, que chamam Terra.

Ah, já ouvi, sim, falar de lá. Não é aquele país das bundas maravilhosas? Nossa, man, aquelas mulheres são quentes! Deve ser um tesão fazer sexo com elas no meio da selva, com os gorilas batendo os punhos no peito. Mas, vem cá, como é vocês conseguem se segurar naqueles cipós e se movimentar around? E outra, tem o lance dos canibais, né? Bem que podiam mandar a cambada de mexicanos para lá. Que ardam junto com todos aqueles barbudos terroristas, que querem destruir nossa grande pátria democrática. Pensando bem, acho melhor ficar aqui mesmo, sentadinho com meu Méqui, a salvo dos perigos desse resto de mundo.

É o que te digo... enquanto essa pobrada iletrada permanecer fazendo parte do nosso país, nós não temos jeito, mano! Nós que trampamos o ano inteiro, produzimos toda a riqueza da nação, temos que manter um bando de preguiçoso aproveitador? Esse povo não faz nada e ainda recebe bolsa-esmola do governo! O que é mais revoltante é que deixam o voto deles ter o mesmo valor que o meu. Não tem, mano! Eu trabalho! Eu tenho carro! Eu sou alfabetizado! Não posso ser comparado àqueles cabeças chatas do norte. Depois de invadirem nossa cidade, trazendo aquele sotaque patético, ainda querem escolher o presidente do Brasil? Pois se ouvir falarem um "ti", ao invés de "txi", vou meter lamparada na cara deles, para aprenderem a respeitar nossa elite!


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Segundo o Aurélio, etnocentrismo é a "tendência do pensamento a considerar as categorias, normas e valores da própria sociedade ou cultura como parâmetro aplicável a todas as demais". O mundo não é Júpiter, a Terra não é os Estados Unidos, o Brasil não é o Sul-Sudeste. A diferença faz parte da vida. A diferença é a própria vida. Toda forma de preconceito é burra. Toda forma de preconceito esconde ignorância ou recalque.

domingo, 14 de novembro de 2010

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Lembro que te disse das minhas linhas. Que nunca lesses imaginando serem meus aqueles sentimentos. Que não encarnasses na pele feminina dos meus dedos, achando seres tu a mulher perdida, a mulher amada, a mulher cuspida. Recordo que penasses para aceitar, achavas por certo que assim me esquivo das responsabilidades do meu pensar.

Pois. Escrevo agora. Para ti. Ainda que o "ti" seja justamente a personagem sobre quem te proibi de levantar tais suspeitas.

É sensato pensar que hoje tu acharás tudo isso uma imensa tolice, um grande despropósito. Daquele tempo, imagino, só te resta a lembrança de uma criatura chacoalhada pela juventude. Que suava entusiasmado, gargalhava sem critério e clamava para que todas as pessoas estivessem naquele momento olhando o mundo com seus olhos esbugalhadamente felizes. Já faz tempo.

Calei, ali, quando podia ter dito algumas coisas que mudariam o prumo de toda minha vida.

A primeira, e certamente mais perturbadora, é que eu gostava de ti. A segunda, e que tenta explicar o que agora disse, é que eu tinha medo. Se tive medo pois gostei, ou gostei por causa do medo, eu realmente não sei. O que asseguro é que naqueles poucos segundos que antecediam tuas respostas, nas nossas conversas perdidas na madrugada, eu me pegava enfeitiçado; e se houvesse possibilidade de veres minha face, assustar-te-ias com um bobo sorriso de pré-adolescente que desafiaria o mais incrédulo dos filósofos da paixão.

Percebes que digo coisas fortes. Mas, por favor, não me culpes. Eu tive medo.