terça-feira, 19 de abril de 2011

Tudo passa... bem, quase tudo

Minha mãe, muito provavelmente, coitada, não deve ter tido tempo ou cabeça para isso. Devia estar toda inchada, ainda recuperando-se da bem sucedida incisão transversal em seu ventre, e atarefadíssima, cuidando para que seu rebento sucedesse nas sucções. Devia estar alegre demais para tanto, pelo menos é o que espero. Painho, igualmente, não deve ter se interessado – imagino que estivesse nervoso ante a chegada de mais uma boca para alimentar, e um pouco alterado, desgostoso de ver surgir um bacuri bem mais feio do que esperava. O fato é que nenhum deles deve ter lido o jornal naquele longínquo 31 de março de 1985.

Se tivessem lido, é bem verdade, não teria feito qualquer diferença. O homem não chegara a Marte nesse dia, nenhum papa morrera, nada de terremoto ou desastre nuclear. Nada de novo, como diz o outro, apenas o nascimento pós-maturo deste que vos escreve – à época, um tanto cabeludo e com unhas grandes, segundo consta. Pouco mais de vinte e seis anos depois, o filho de dona Vânia não precisa lhe pedir que vasculhe a memória a fim de saciar sua curiosidade adolescente (?); não, a tecnologia ajuda.

Há algum tempo, a Folha disponibilizou todo o seu acervo na Internet, desde as primeiras publicações, em 1921. E como é grande a vaidade humana, fui lá diretamente à data em que nasci, talvez com aquela ingênua ilusão de enxergar "Nasce o grande homem" estampado na primeira página. Não encontrei, droga. Mas foi interessante imaginar em que pé estava o mundo quando calhei de invadi-lo – o que, por uma tortuosa argumentação (que Deus me livre sobre ela debruçar agora), comprova inequivocamente que Ele não existe.

Vem ao acaso, apenas, saborear as notícias. Era edição de domingo, e o Brasil fervilhava politicamente. Tancredo estava morre, não morre – esta, sim, a manchete de capa. Em uma carta do leitor, o pedido emocionado: "Não nos deixe. O Brasil espera pelo senhor. O povo espera pelo senhor. O seu povo o espera e chora junto a sua dor. Não se vá agora, bravo mineiro".

A impressão era de haver uma enorme incerteza, um medo de que a "transição democrática" (expressão usada umas 394 vezes ao longo do jornal) fosse interrompida. E, de fato, havia enormes razões para tanto: os ministros das Forças Armadas, em "ordens-do-dia" publicadas na página 4, amistosamente saudavam os "camaradas" ou "comandados", dando vivas ao aniversário do "Movimento de 31 de março de 1964". Leitura interessantíssima.

Aqui e ali uma dica quanto à orientação política do jornal à época, mas não entremos neste mérito – apenas uma olhada no Editorial, intitulado "Greve Inoportuna". Personagem principal: o então líder de sindicato, Lula, que não só pleiteava benefícios salariais; "não estando excluído, por certo, o propósito de conseguir dividendos políticos através de uma eventual catalisação de anseios oposicionistas". A Folha continua: "Deve-se, no entanto – quando estão em jogo também os interesses maiores da preservação de um clima favorável à delicada transição política em curso [again] – fazer considerações sobre a oportunidade da escolha da greve como instrumento privilegiado de pressão trabalhista neste momento". Sem mais.

A sensação é de estar estudando história não por um livro didático, mas por caderno de campo - realidade em movimento. São várias as matérias curiosas, que antes pensava em trazer, mas desisto, vendo agora o tamanho do texto. Super emblemáticas as propagandas, de máquinas de costurar ao moderníssimo Atari (que acabei ganhando alguns anos depois). Engraçado, também, ver que era independência da Namíbia, país 'x' que por uma mirabolante coincidência, conheci de cabo a rabo. Vida que se passa, passado que se vai. Ou não. Da Sucursal de Brasília, outra notícia do dia: "Sarney discute segundo escalão do governo hoje". É.  Certas coisas não mudam.

2 comentários:

  1. Meu Brother, advinha qual a manchete do dia da minha estréia nesse mundo, também em 1985...
    "BC descarta redução da taxa de juros"
    Realmente, "Tudo passa... bem, quase tudo"
    Abraço

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  2. 01/04/1984! "Superlotados os distritos policiais". Bem que poderia ter sido no aniversário de Borbuleta...

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